quarta-feira, 4 de maio de 2011

NÃO EXISTE DISCURSO IMPARCIAL




IMPLICATURA LINGUÍSTICA/(IM)PARCIALIDADE DISCURSIVA

“O DISCURSO E A IDEOLOGIA IMPLÍCITOS EM MANCHETES DO JORNAL ZERO HORA”

Parte da Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação – Especialização em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira do Centro de Ciências da Educação Comunicação e Artes da Universidade da Região da Campanha – URCAMP – Campus de São Borja, como requisito parcial para a conclusão do curso – pós-graduada - Fátima Rozana Nascimento da Silva

As teorias relativas à semântica e à pragmática envolvem perspectivas não-referenciais da língua, ou seja, uma relação de interdependência das palavras, através de uma “rede de encadeamentos discursivos” (Ducrot 1998:17), carregados de ideologias, que abordam as condições externas à linguagem como, por exemplo, o ambiente e as condições de produção do discurso, o uso normativo pelos falantes de uma determinada língua, etc. OS LIMITES DA SEMÂNTICA E DA PRAGMÁTICA-Aline Soler Parra.
A partir deste capitulo mostraremos a construção discursiva desde seu pronunciamento/construção pelo locutor até seu efeito ao ser ouvida, assimilada pelo leitor/alocutário, ou seja, o resultado do processo de interlocução. O principal foco será a mídia jornalística. Para tal, com respaldo em teorias, buscamos mostrar na linguagem um sentido, não apenas literal, mas, principalmente, subentendido. O fator ideológico e histórico como influência na constituição dos sujeitos e do sentido do texto/discurso. Evidenciar a arte do dizer sem ter dito. Inteirando-se no sentido não apenas daquilo que está sendo dito, mas, sobretudo no porquê está sendo dito dessa forma e com que propósito, ressaltando assim, as influências históricas e ideológicas existentes nos discursos que vem sustentar nosso argumento no que se refere à imparcialidade discursiva.
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H.P.Grice propõe, inicialmente, um exemplo que se tornou clássico. (A) e (B) estão conversando sobre (C). (A) pergunta a (B) sobre a situação de (C) no seu emprego. (B) responde: "Oh! muito bem, eu acho; ele gosta de seus colegas e ainda não foi preso". Um diálogo desse tipo, observa Grice, possibilita perceber, claramente, que há duas formas de significação distintas. A resposta de (B) diz que (C) está bem e ainda não foi preso e implica ou sugere que isso pudesse ter acontecido, tendo em vista que (C) é o tipo de pessoa que pode ceder às pressões do seu trabalho e fazer algo que o leve à prisão. É a partir desse contexto que Grice introduz os termos técnicos implicitar (implicate), implicatura (implicature) e implicitado (implicatum). Seu objetivo é organizar, ao redor deles, um sistema explicativo dessa significação que (A) e (B) podem entender mas que, efetivamente, não foi dita. É importante ressaltar, aqui, que Grice usa "dito" como o significado expresso pelo enunciado em termos literais ou, em outras palavras, como a proposição em seu valor semântico. ...
A Teoria Inferencial das Implicaturas: Descrição do Modelo Clássico de Grice http://www.pucrs.br/letras/pos/logica/implicat.html

A ÉTICA JORNALÍSTICA
O Código de Ética do Jornalismo que reproduzem os Cânones do Jornalismo, entre eles o de 1923 da Sociedade Norte-Americana de Editores de Jornais, valendo não somente pelo seu conteúdo, mas, sobretudo pelas suas feições históricas e pela profundidade de seus dispositivos, demonstrando como deve funcionar a imprensa numa democracia, estabelece que a função primária dos jornais é comunicar à raça humana o que fazem, sentem e pensam os seus membros. O jornalismo, por conseguinte, exige dos que o praticam maior amplitude de inteligência, ou conhecimentos, e experiências, bem como poderes naturais e exercitados de observações e raciocínio.
Entre outros termos importantes no cumprimento do Código de Ética do Jornalismo destacamos: Responsabilidade; Imparcialidade; Sinceridade, Veracidade, Exatidão; Equidade.
O item Responsabilidade diz que o direito que tem o jornal de atrair e conservar leitores só é limitado por consideração de bem-estar público. O emprego que faz o jornal da parcela de atenção pública conquistada serve para determinar-lhe o senso de responsabilidade, que partilha com todos os membros do seu quadro de funcionários. O jornalista que utiliza seu poder para qualquer propósito egoísta ou de modo indigno atraiçoa elevada confiança.

A Imparcialidade jornalística diz que a prática sadia estabelece clara distinção entre a exposição de notícias e a expressão de opiniões. A exposição de notícias deve ser isenta das opiniões ou pré-disposições de qualquer espécie. Esta regra não se aplica aos chamados artigos especiais, inequivocamente destinados à defesa de uma tese ou caracterizados por uma assinatura que autorize as conclusões e a interpretação do autor.

Diz respeito à Sinceridade, Veracidade e Exatidão, que a boa fé com o leitor é o fundamento de todo o jornalismo digno desse nome. Por todas as considerações de boa fé, um jornal é obrigado a ser verídico. Não se justifica a falta de escrúpulo ou de exatidão sujeita ao seu controle, nem a capacidade de obter o domínio dessas qualidades essenciais.
As manchetes devem ser plenamente confirmadas pelo conteúdo das matérias que ensinam.
A Equidade prega que o jornal não publicará acusações não oficiais que afetam a reputação ou caráter moral sem dar ao acusado a oportunidade de ser criativo; a prática correta exige que se dê essa oportunidade em todos os casos de acusação séria fora dos trâmites judiciais.
O jornal não abordará os direitos ou sentimentos particulares sem uma segura garantia do direito público, distinto da curiosidade pública.

É privilégio do jornal, como é sua obrigação, fazer pronta e completa correção dos próprios erros sobre fatos ou opiniões, sejam quais forem suas origens.

SUSTENTAÇÃO TEÓRICA - A DIFERENÇA ENTRE
RETÓRICA E PERSUASÃO

Para Aristóteles (filósofo grego) existe diferença entre retórica e persuasão. A retórica, vista por ele, como algo de ciência: “é um corpus com determinado objeto e um método verificativo dos passos seguidos para se produzir persuasão”. Não caberia a retórica atitude ética, pois seu objetivo não é o de saber se algo é verdadeiro ou não, mas sim, analítica – cabe a ela verificar quais os mecanismos utilizados para fazer algo ganhar dimensão de verdade. Retórica para Aristóteles é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão.
Através da Retórica revela-se a persuasão, por isso é analítica, permite-nos descobrir o que é próprio para persuadir. A retórica não é ética porque não entra no mérito do que está sendo dito, mas no como aquilo que está sendo dito é eficiente, isto é, dominar o processo, as formas, as instâncias, os modos de argumentar.
A QUESTÃO DOS IMPLÍCITOS
Os implícitos visto como estratégias de expressar a ideologia, funcionam como marcas limitadoras entre o dizer e o não dizer.
Os implícitos funcionam como marcas ideológicas que nos possibilitam identificar determinadas ideologias a que o texto/discurso está ancorado. Assim sendo, definimos Implícitos de acordo com a teoria de Ducrot.

Modos de expressão implícita que permitem deixar entender sem incorrer na responsabilidade de ter dito. [...] Ora se tem frequentemente necessidade de dizer certas coisas e ao mesmo tempo de poder fazer como se não as tivéssemos dito, de modo tal que se possa recusar a sua responsabilidade. O não dito remete ao dito, tem com ele uma relação de dependência para significar (DUCROT, 1972, p. 9-15).

2.4 CONCEITO DE IDEOLOGIA
Para chegarmos a um conceito de Ideologia percorremos um trajeto que iniciou na cultura grega, especificamente com o pensamento filosófico grego e suas preocupações no que se refere a Movimento.
Os gregos entendiam por movimento:
Toda mudança qualitativa de um corpo qualquer (por exemplo, de uma semente que se torna árvore, uma alteração de cor, um animal que adoece.)
Toda mudança quantitativa de um corpo (por exemplo, um corpo que aumenta o diminui seu corpo, um corpo que se divide em outros menores etc)
Toda mudança de lugar ou locomoção de um corpo qualquer( por exemplo a trajetória de uma flecha, o deslocamento de um barco, a queda de uma pedra etc)
Toda a geração e corrupção dos corpos, isto é, o nascimento e o perecimento das coisas e dos homens.

Movimento para o grego significa, portanto, toda e qualquer alteração de uma realidade seja ela qual for. Daí o fato de conceituar Ideologia como o movimento, o curso, o percurso das ideias influenciando e sofrendo influências de acordo com o meio em que o homem está inserido.
A história não é uma sucessão de fatos no tempo, não é progresso das ideias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural. ((CHAUÍ, 1997, p. 27,28 e 29).
O sentido pejorativo dos termos Ideologia e Ideólogos veio de uma declaração de Napoleão que, num discurso ao Conselho de Estado em 1812, declarou: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à Ideologia, essa tenebrosa metafísica que buscando com sutileza as causas primeiras, que fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis do conhecimento do coração humano e às lições da história.” Com Isto Bonaparte invertia a imagem que os Ideólogos tinham de si mesmo: eles que se consideravam materialistas, realistas e antimetafísicos, foram chamados de tenebrosos metafísicos, ignorantes do realismo político que adapta as leis ao coração humano e as lições da história.
O curioso é que a acusação de Bonaparte é infundada com relação aos Ideólogos Franceses, não o seria se se dirigisse aos Ideólogos alemães, criticados por Marx. Ou seja, Marx conservará o significado napoleônico do Termo: o Ideólogo é aquele que inverte as relações entre as idéias e o real. Assim, a Ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das idéias calcadas sobre o próprio real, passa a designar, daí por diante, um sistema de idéias condenadas a desconhecer sua relação real com o real (CHAUÍ,1997, p. 26 e 27).


IDEOLOGIA E REALIDADE
Com o início do novo milênio, a América pode verificar seu futuro segurado na democracia. A abertura política ganhou espaço. Os cidadãos estão mais conscientes de seus direitos. Eleições periódicas, governos, parlamentos, partidos políticos, sindicatos, associações e grupos sociais das mais diversas índoles refletem, mais do que qualquer outra época da nossa história, as aspirações da população.
Na execução democrática várias conquistas alcançadas geram otimismo, porém, aconselham também prudência. A crise das instituições, as desigualdades, o atraso, as decepções transformadas em intransigências, a procura de receitas simples, a incompreensão sobre o estilo do processo democrático e as pressões setoriais são uma ameaça ao que até aqui conquistamos. Representam ainda obstáculos potenciais para esse avanço. Devido a isso, é dever de todo o ser humano configurar a vigência das liberdades públicas e os direitos humanos.
A prática democrática deve refletir-se em instituições modernas, representativas e de respeito; mas deve também nortear a vida cotidiana. A democracia e a liberdade, ícones indissolúveis, só nascerão com força e seguridades se tiverem suas raízes nos homens e mulheres de nosso continente.
Sem a prática diária desses ícones, os resultados serão previsíveis: lastima-se a vida individual e social, restringe-se a interação das pessoas e grupos, distorce-se o progresso material, detém-se a possibilidade de mudança, desvirtua-se a justiça, o desenvolvimento humano transforma-se em simples ficção. A liberdade é uma, embora múltipla em suas manifestações: pertence aos seres humanos, não ao poder.
Acreditamos na força criadora de nossos povos e temos a certeza de que nosso princípio e destino têm que ser a liberdade e a democracia. Acreditar na sua manifestação mais aberta e direta, sem a qual o exercício democrático não existiria nem se reproduziria: a liberdade de expressão e de imprensa por qualquer meio de comunicação.

Somente por meio da livre expressão e circulação das idéias, da busca e difusão das informações, da possibilidade de indagar e questionar, de expor e reagir, de coincidir e reagir, de publicar e transmitir, é possível manter uma sociedade livre. Apenas mediante a prática destes princípios, será possível garantir aos cidadãos e grupos seu direito de receber informação imparcial e oportuna capaz de possibilitar buscar respostas para os grandes problemas coletivos, criar consensos, permitir que o desenvolvimento beneficie a todos os setores, exercer justiça social e prosseguir na obtenção da equidade.
Garantir a amplitude da democracia é estendê-la a todos independente de poder político, social, econômico ou religioso, outrossim é cumprir com as regras fundamentais de divulgação e transmissão das informações refletindo o compromisso com a veracidade e fidelidade dos fatos.
FUNÇÃO DA IDEOLOGIA
A linguagem é uma forma de atividade e, assim sendo, deve ser encarada como uma atividade em geral, e, mais ainda, como uma atividade humana que possui ação verbal voltada para a motivação e um conjunto de operações próprias do sistema linguístico. Um dos mecanismos que nos possibilitam chegar ao sentido de um texto/discurso são os implícitos.

A teoria da enunciação diz que não basta nos preocuparmos com o sentido como resultado dos enunciados efetivamente produzidos pelos falantes de uma língua: é necessário considerar, ao mesmo tempo, a enunciação ou seja, o fato único e nunca repetido de produção do enunciado. Isto devido às condições de produção como: tempo, lugar, papéis de representação dos interlocutores, imagens, objetivos almejados pelos interlocutores que interferem na constituição do sentido do enunciado.

A evidência da transparência da linguagem é um efeito ideológico. Devemos considerar o processo de constituição do sujeito e a materialidade do sentido. A evidência do sujeito, ou seja, sua identidade resulta da interpelação oriunda da ideologia que produz um sujeito de direito (jurídico) determinado por condições externas. A evidência do sentido, embora pareça evidente, pode não ser exatamente aquilo que estamos vendo, mas o que está por trás, nas chamadas “entrelinhas”. Daí o fato de dizer que o sentido esconde seu caráter material, a historicidade de sua construção.
Concluímos então que o sujeito não é o centro do sentido e que as várias posições que o sujeito ocupa dispersão definirá a sua formação discursiva por estar atrelado a sua formação ideológica. Mudou a formação ideológica, muda a formação discursiva. A Formação Discursiva, como princípio regulador, traz posições diferentes de sujeito e de Ideologia.

Poderíamos dizer que a função da ideologia é externar as múltiplas vozes, os múltiplos discursos porque através dela chegaríamos a uma possível interpretação do sentido. Nos possibilitaria a percepção de que não existe imparcialidade, não existe texto homogêneo. Cada ideia explícita ou implícita traz uma procedência ideológica que interfere na Formação Discursiva e, consequentemente, vem refletir no sentido.
Para Pêcheux,
o discurso é o efeito de sentido entre os locutores. Compreender que o sentido não está (locado) em lugar nenhum, mas se produz, nas relações: dos sujeitos dos sentidos e isto só é possível, já que sujeito e sentido se constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo das múltiplas formações discursivas (ORLANDI, 1995, p.20).

A Análise do Discurso não trata da língua. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de movimento, de correr por, de percurso. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando.
Na Análise do Discurso procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história (ORLANDI - 2000, p.15). Através dele reconhece-se melhor aquilo que faz do homem um ser especial com capacidade de significar e significar-se.

Levando em conta o homem na sua história, considera os processos e as condições de produção da linguagem, pela análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que falam e as situações em que se produz o dizer.

Discurso então, é visto como uma unidade de significação, é o lugar mais adequado para se observar o fenômeno da linguagem. O que faz do texto um discurso é o estudo linguístico a partir das condições de produção, que representam o mecanismo de situar o sujeito.

A linguagem contém a língua, os movimentos, as formas, as cores, os traços, os sons e porque não dizer, os silêncios. É simbólica. Sempre é significadora pelo funcionamento.

A linguagem articulada da qual fazem parte os traços, os sons e os silêncios, não é um efeito ou uma manifestação da própria língua ou do sujeito, mas é constitutiva, pois nem a língua nem o sujeito se constituem sem a linguagem. A linguagem é social porque se constitui no movimento histórico, no espaço das práticas sociais.
O assujeitamento corresponde ao movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que um indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha a ilusão de autonomia. Se o sujeito se constitui pelo assujeitamento é pelo sujeito que a ideologia torna-se possível já que, ao entendê-la como prática significante, concebe-se a ideologia com relação entre sujeito, língua e história na produção dos sentidos (ORLANDI, 1999). “Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia” (ORLANDI - 2001.p.17) e é assim que a língua faz sentido.
TEORIA DOS IMPLÍCITOS, PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS
Um dos mecanismos discursivos que fornecem pistas sobre a ideologia são os implícitos. Através de sua leitura poderemos chegar às determinações ideológicas a que eles nos remetem.
A análise dos implícitos nos discursos é um saber que consiste em considerar o que é dito de um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária. Isso porque só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz significa em suas palavras, e como diz Coutrine, (1984), “fala uma voz sem nome” (ORLANDI – 2001 p.34). Portanto a materialização da ideologia acontece pela linguagem; é aquilo que se esconde nas palavras, mas é explicitado nas situações de linguagem, permitindo a identificação de um determinado espaço social ocupado por um sujeito que ocupa certa posição, habilitando-o a dizer ou não querer dizer determinadas coisas.
Todos os textos apresentam explicitamente certas informações e, ao mesmo tempo, transmitem outras de maneira implícita. Informações implícitas são aquelas que o texto parece não dizer, mas diz. O leitor precisa, para compreender bem o sentido de um texto, entender tanto o que é afirmado de modo explícito, quanto o que é dito implicitamente. “Um bom leitor é o que sabe ler nas entrelinhas, pois, se não o fizer, corre o risco de não apreender exatamente o que se quis dizer ou de concordar com pontos de vista que, tornados explícitos, rejeitaria” (FIORIN - 1995, p. 327).
Os pressupostos são informações implícitas, que decorrem logicamente do sentido de alguma palavra ou expressão presente no texto. O uso adequado dos pressupostos é muito importante, porque esse mecanismo linguístico é um recurso argumentativo, uma vez que visa levar o leitor ou o ouvinte a aceitar certas ideias. Com efeito, introduzir no discurso um dado conteúdo sob a forma de pressuposto implica tornar o interlocutor cúmplice de um dado ponto de vista, pois ele não é posto em discussão, é apresentado como algo aceito. Mesmo a negação das informações explícitas contribuem para corroborá-la. Se alguém diz: João deixou de beber. Diz explicitamente que atualmente ele não bebe e implicitamente que bebia antes. Se o interlocutor negar a informação explícita, ainda assim estará admitindo o pressuposto. A pressuposição acontece para que outra situação ocorra, algo lógico. Se disser: Pedro sentou, pressupõe-se anteriormente que ele estivesse em pé.

Dentro da teoria da argumentação ao definir as significações explícitas e implícitas mostra que a língua nem sempre é um objeto transparente. Ela pode se constituir num lugar que se configura por ocultamentos, resistências, negligências, camuflagens, ambiguidades ou ainda enfrentamentos. Trabalha a ideia que diz que nem sempre os sentidos são decorrentes da mais pura realidade, ou seja, mesmo nas sociedades mais liberais, há certos termos protegidos por uma espécie de lei do silêncio, pois nem sempre podemos dizer tudo o que queremos porque corremos o risco de sermos excluídos, amados, odiados, etc.

A teoria dos implícitos nada mais é do que estratégias de argumentação em que o falante busca uma maior isenção de responsabilidade sobre o conteúdo das falas proferidas, pois afinal, somente aquilo que é dito pode ser contradito.

Na tentativa de descrever como funciona a questão da significação na linguagem verbal Ducrot isola dois grandes conjuntos de conhecimento: o componente linguístico e o componente retórico.
Ao componente linguístico cabe a função de descrever as significações dos enunciados, independentemente das situações comunicativas em que os enunciados ocorrem, ou seja, as palavras já possuem significados pré-estabelecidos pela linguagem, pertencem antes de tudo, ao componente linguístico. Citamos o exemplo: José parou de assinar a revista Veja.
Pressuposto 1=> José lê revistas.
Pressuposto 2=> José era assinante da revista Veja.
A língua garante o sentido, ou seja, pela estrutura independente do que acontece. O pressuposto funciona como base na constatação de que existe um repertório imenso de palavras que por si só vinculam significações implícitas.
O componente retórico se ocupa em descrever os sentidos dos enunciados a partir das situações de comunicação em que os mesmos são proferidos (entra no plano discursivo). É o lugar dado aos acontecimentos dependentes da exterioridade, é denominado Subentendido porque não se limita à estrutura, à forma, mas à exterioridade.
Retomando o exemplo citado acima. José parou de assinar a revista Veja. Ao incluirmos a informação (conhecimento) de que José havia sido demitido da empresa onde trabalhava, temos condições de saber o que está subentendido.

Subentendido:1 – Parou de assinar a revista por estar desempregado.
Subentendido:2 – Por não ter condições de pagar a assinatura da revista.
NO UNIVERSO DA MÍDIA JORNALÍSTICA
O DISCURSO E A IDEOLOGIA IMPLÍCITOS EM
MANCHETES DE ZERO HORA
Nosso planeta está cada vez menos seguro, e menos livre. Discute-se o significado do conceito de liberdade e do que é ser livre em países cada vez mais violentados por inimigos globais: o terrorismo, a ausência de democracia, o narcotráfico e a guerra.
Os Estados Unidos responsável pela contestação ideológica eleva o grau de insegurança no mundo. Seu poder agride cada vez mais os direitos individuais, valores mais altos se sobrepõe à soberania de um Estado.
Quanto mais lemos e escutamos sobre esses assuntos, mais impotentes nos sentimos frente à força política que há em países como os Estados Unidos. Essa força, esse poder de dominação chega até nós pelos meios de comunicação. O jornal é um importante transmissor dessa doença contagiosa que penetra nos educandários, nas famílias e em toda a sociedade. A forma como chega até nós a notícia, a informação, traz significação que desconhecemos, propósitos obscuros resultantes de uma ideologia dominante.
Exaltar, um país, uma nação, um poder político e ao mesmo tempo expor ao nada, reduzir ao pó um outro são estratégias para mostrar as faces do poder que cresce com o auxílio da mídia.
Provocar reações militares, inflamar o ódio, reduzir a liberdade, exterminar a segurança interna, esses também são terrorismos, mas terrorismos gráficos resultantes de ideias organizadas que mexem com a opinião das pessoas, mais ainda, sem que elas percebam.
A ARTE DO DIZER SEM TER DITO
A linguagem utilizada pelo jornal Zero Hora não se constitui de maneira alguma ingênua e sem intenções pré-determinadas e bem definida. É possível que exista todo um empenho a persuadir seus leitores a aceitarem como verdade às noticias publicada no jornal. As proposições veiculadas Tendem a se constituir de forma marcante justamente para ocasionarem um efeito de verdade incontestável.
Seria interessante questionar a causa de, para quem o editor ou jornalista, ser mais interessante utilizar-se do recurso do implícito nas suas manchetes. Talvez pudéssemos dizer que muitas coisas que os editores querem fazer-nos crer sejam verdadeiras não o sejam de fato e, dizendo de maneira implícita, o editor não se compromete com o que deixa implícito. É o destinatário que deve preencher a lacuna criada pelo implícito, o que permite ao locutor a possibilidade de até negar o implícito, se for o caso.
A INFLUÊNCIA POLÍTICO-SOCIAL
Podemos dizer que o sentido daquilo que se diz não existe em si, mas é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam.
A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que pode e deve ser dito.
No jornal Zero Hora o sujeito diz algo que se inscreve em uma posição discursiva que configura a postura ideológica conservadora da direita, dos capitalistas, dos que detém o poder, daí o sentido do que se diz estar mostrando um traço ideológico dominante, excludente. A linguagem e a ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca e assim permitem-nos descobrir qual ideologia ressalta-se na mídia, seja explicita ou implicitamente.

Submetendo o sujeito mas ao mesmo tempo apresentando-o como livre e responsável, o assujeitamento se faz de modo a que o discurso apareça como instrumento (límpido) do pensamento reflexivo (justo) da realidade. Na transparência da linguagem, é a ideologia que fornece as evidências que apagam o caráter material do sentido e do sujeito. É ai que se sustenta a noção de literalidade: o sentido literal, na concepção linguística imanente.... No entanto, se levamos em conta, como na Análise do Discurso, a ideologia, somos capazes de apreender, de forma crítica, a ilusão que está na base do estatuto primitivo da literalidade: o fato de que ele é produto histórico, efeito de discurso que sofre as determinações dos modos de assujeitamento das diferentes formas-sujeito na sua historicidade e em relação às diferentes formas de poder (ORLANDI, 2002. p. 51,52).

A hegemonia norte-americana, tecnográfica, financeira, econômica e política estão em todos os jornais e meios de comunicação de massa do mundo inteiro, tem nas mãos o poder da mídia. Assim sendo é possível estabelecer critérios transcendentes pelo qual uma cultura possa ser julgada superior a outra. Esquece-se de que todas as culturas são epistemológica e antropologicamente equivalentes, pois pertencem todas à mesma humanidade.

Os Estados Unidos representa hoje a cultura dominante. O capitalismo reina sozinho no mundo, a polarização de ideias liberais (neoliberalismo) é o que se opõe Estados Unidos em guerra com países orientais. Para vencer é necessário encontrar a nova ética mundial que propõe nova política, a arte de administração do bem comum. Para o mundo se propõe a ideia de que vencem os mais competentes, dedicados na luta pela mercantilização do mundo, já que tudo virou mercadoria e o capital financeiro é o que faz girar a ciranda financeira.
Na visão de Ducrot é separado aquilo que deriva propriamente da instância da linguagem (pressuposto) daquilo que se dá em contexto (subentendido). Se dissermos Deixamos de votar o pressuposto é que votávamos antes, ou seja, não posso dizer que deixamos de votar se não votávamos antes. O posto (o dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (não dito, mas presente). Mas o motivo, por exemplo, fica como subentendido. Pode-se pensar que é porque estamos desacreditados na política, nos partidos etc. O subentendido depende do contexto. Não pode ser asseverado como necessariamente ligado ao dito embora o não-dito seja subsidiário ao dito. De certa forma, o complementa, acrescenta.

ANÁLISE DAS MANCHETES
Manchete 01 (Zero Hora, 12.04.2003, capa)

EUA CAÇAM 52 LÍDERES IRAQUIANOS


O termo “CAÇAM” compara os iraquianos a animais, ou seja, estão sendo capturados iguais a animais de caça.
Pressupomos que estas pessoas que estão sendo caçadas, na visão deste editor, não tenham valor humano. Não importa o que possa acontecer para se alcançar o objetivo.
Subentende-se aqui, a força avassaladora dos Estados Unidos no combate, no poder bélico disponível bem como toda a estrutura humana posta a seus serviços.

O jornal Zero Hora passa a ideia ao leitor de que o EUA é insuperável, inatingível e que tudo pode, inclusive definir o que deve e não deve ser dito na imprensa.

Manchete 02 (Zero Hora, 12.04.2003, p. 08)

Só a anarquia reina no Iraque.


Com a palavra ANARQUIA, em destaque, o jornal Zero Hora exalta a degradante situação política em que se encontrava, naquele momento, o Iraque. Deixa implícito que o responsável por tudo isso é o Estados Unidos, mas, não diz, passa a ideia do caos, do desgoverno, mas em momento algum cita os Estados Unidos como responsável.
Deixa subentendido que o Iraque necessita dos EUA para superar a anarquia para o país ter soberania e dignidade.
Considerando o topo/exterioridade, destacamos o operador argumentativo que apresenta como valor semântico de conclusão a palavra só. Passa-nos a ideia de desvalorização da ordem, sugere especificação da desordem, do desgoverno. No caso só a anarquia, na rede de filiação do sentido a relação desenhada pela Ideologia, mostra o compromisso desse dizer com a memória do fascismo, com um efeito de que os locutores podem até mesmo desconhecer, mas que está lá com sua eficácia.

Manchete 03 (Zero Hora, 06.04.2003, p. 06)

Os desafios do mundo pós-saddam


Nesta chamada percebe-se a força semântica da palavra desafio utilizando um tamanho maior de letra e também com recurso negrito para ressaltar a cor, com isso destaca as diferentes naturezas com que se configura a prática discursiva. O sujeito narrador vem implicitamente afirmar que reestruturar o Iraque não é um desafio do mundo e sim dos EUA, são eles que o destruíram, são eles que têm interesses peculiares nas riquezas do Oriente.
Não nos cabe discutir o modelo político implantado por Saddam, nem as divergências com seu povo, mas sim como a imprensa é dominada por essas forças aterradoras como é a dos EUA, em mostrar que quer e que pode ter nas mãos qualquer nação, ainda que para isso extermine a espécie humana.

Manchete 04 (Zero Hora, 13.04.2003, capa)

ATÉ ONDE VÃO OS EUA?
A invasão do Iraque abre caminho para novas ações americanas.

As previsões que desmoronaram junto com o regime Saddan.

Militar americana resgatada vira símbolo de supremacia dos EUA.




Estas manchetes, de capa, externam de todas as formas o poderio incontestável dos EUA. Na primeira chamada “Até onde vão os EUA?”, os termos até onde remete o leitor para algo que está oculto e aparece uma ideia de limite máximo que por tratar-se de uma questão, deixa implícito exatamente o contrário, que não existe limite, ou seja, ninguém pode pressupor até onde pode chegar a ousadia dos Estados Unidos. Uma espécie de persuasão que mexe com a emoção.
Acreditamos ser interessante mencionarmos a fotografia que ilustra as manchetes, então destacamos uma gigantesca estátua em que figura uma mão que segura uma espada. A intenção do editor do jornal, com esse propósito, é mostrar o grande potencial de luta e força iraquiana sendo ruída por uma força ainda maior que é os EUA. Deixa subentendido com isso que não existe barreiras que os EUA não possam ultrapassar, por mais organizado, temido que seja a nação, o povo, ele é capaz de combater.

A imagem que foi constituída por esse locutor é uma espécie de materialização de uma voz que fala por si só, que traz implicitamente toda uma memória histórica e ideológica.

Destacamos também as duas chamada que se configuram paralelamente “As previsões............regime Saddam. e Militar americana ...... símbolo dos EUA.”
São frases que servem para evidenciar a argumentação discursiva de que o jornal Zero Hora sempre procura estabelecer paralelos de força, de poderes, neste caso, sempre exaltando e enobrecendo os atos dos EUA.
apresentamos também a influência de dominação da mídia pelos EUA constatados na forma com se configura o discurso presente nas manchetes que noticiam a guerra entre os Estados Unidos e o Iraque.

Através da análise das manchetes percebeu-se que o jornal Zero Hora não é tão imparcial quanto pretende ser e que procura convencer o leitor deixando sempre implícita a ideia que exalta o poderio dos EUA, e reduz ao pó a nação iraquiana.
O estudo realizado sobre os implícitos em discursos verbais teve como base teórica principal a Análise de Discurso de Eni P. Orlandi e a teoria de Oswaldo Ducrot em O Dizer e o Dito. Essa no que diz respeito ao uso de implícitos, em especial os pressupostos e, aquela à questão do discurso, sujeito e ideologia, implicados nas manchetes de Zero Hora. Conseguiu-se mostrar a importância de seu bom uso como forma de entendimento do discurso e os implícitos nele implicado.

Podemos constatar que os leitores que se guiam somente pelo dito para elaborar suas compreensões e percepções seguirão o que o jornal procura passar. Outros leitores que, ao contrário, procuram estabelecer uma leitura mais aprofundada chegarão a conclusões diferentes. Entre aqueles que conseguem aprofundar a leitura estão os que utilizam recursos como a leitura dos implícitos, deixando clara a importância dessa ferramenta na leitura de manchetes jornalísticas. É através dos vários recursos de linguagem que o leitor constrói o sentido de uma manchete. Logo, quanto mais o leitor conhece e sabe expor esses recursos, mais consegue entender o que lê.
A questão do sentido deve ser tratada como uma questão enunciativa em que a enunciação seja vista historicamente, pois a significação é histórica, não no sentido temporal, historiográfico, mas no sentido de que uma significação é determinada pelas condições sociais de sua existência. Sua materialização é esta historicidade. A construção desta concepção de significação se faz para nós na medida em que consideramos que o sentido deve ser tratado como discurso e definido a partir do conhecimento enunciativo.
O discurso é efeito de sentido entre locutores, é o lugar de contato entre língua e ideologia. O inter-discurso é a relação de um discurso com outros discursos, ou seja, é o conjunto do dizível , histórica e linguisticamente definido, deste modo o enunciável (o dizível) é um já dito e, como tal, é exterior à língua e ao sujeito. As formações discursivas são diferentes regiões que recortam o inter-discurso e que refletem as diferenças ideológicas, o modo como as posições dos sujeitos, seus lugares sociais ai representados, constituem sentidos diferentes.
Transpor esse entrelaçamento de ideias que configuram um texto é estar consciente de toda essa trajetória que o sentido percorre para se definir. É perceber que a língua está exposta à não completude, à falha, ao engano.
A principal conclusão a que chegamos, entretanto, é que nenhum sentido se constrói ou é possível sem o conhecimento histórico e ideológico por parte dos leitores. É esse conhecimento que faz com que se identifiquem características, detalhes, particularidades que se ligam ao que já conhecem e vivem em seu contexto referencial. Sem esse conhecimento, nunca haverá um elo de ligação com a ideologia implícita no discurso que o jornal veicula em suas manchetes.
Podemos depreender, portanto, deste estudo o quanto é necessário para o leitor dominar a técnica dos recursos implícitos para compreender não somente o texto, mas as intenções do autor.
Importante também ressaltar a importância do jornal Zero Hora, como fonte da heterogeneidade linguística, rica para análise e enriquecedora para o estudante de línguas uma vez que possibilita aprender a aprender ler.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1997.
DUCROT, Oswald. O Dizer e o Dito. Campinas: Pontes, 1987.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1997.
ORLANDI, Eni Puccineli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 4 ed. Campinas: Pontes, 1995.
________. Análise de Discurso. Princípios & procedimentos. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002.
________. As formas do silêncio. Campinas UNICAMP, 1993.

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